terça-feira, 28 de abril de 2009

Medo da Eternidade

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.- Não acaba nunca, e pronto.- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.- Perder a eternidade? Nunca.O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.- Acabou-se o docinho. E agora?- Agora mastigue para sempre.Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

Texto: Clarice Lispector (Medo da Eternidade) /Imagem : Helen Dardik

domingo, 26 de abril de 2009

Teste: Que livro é você?

Achei bonitinho e foi meu amor quem me indicou (e claro, gostei do resultado).

Que livro é você?
Se você fosse um livro nacional, qual livro seria? Um best-seller ultrapopular ou um relato intimista? Faça o teste e descubra.
Clique aqui

Meu resultado:
Você é... "Carmen – Uma biografia", de Ruy Castro

Boa história é com você mesmo. Adora ouvir, contar, recontar. As de pessoas interessantes e revolucionárias são as suas preferidas. Tem gente que liga para você só para saber das últimas fofocas¹. E confesse: com seu jeitinho manso² e detalhista, você dá aos fatos um sabor todo especial. Além disso, não se contenta em reproduzir o que já foi dito. Por isso, se fosse um livro, você só poderia ser uma boa biografia, daquelas que faz os leitores deitarem na rede do fim de semana e se entregarem às peripécias de uma grande personagem. Aliás, você já pensou na profissão de repórter³? Ou de escritor?

1 - Verdade
2 - jeitinho manso, eu?
3 - Até queria, mas não levo tanto jeito não , moço.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

domingo, 19 de abril de 2009

Eu odeio o 392 ! (ainda)

Na última semana, talvez mais do que em outras, o Rio de Janeiro passou por um caos no transporte público.
Problemas na barcas, greves de ônibus e chicotadas no trens.
Eu , que ja vinha sofrendo no ônibus há tempos, resolvi me mexer.
Primeiro chorei. Juro que chorei no ponto de ônibus.
Chorei por me sentir humilhada. Chorei por ter que correr e brigar para conseguir entrar em um ônibus cheio, pagar a passagem, viajar em pé feito gado, em carros quebrados, mal conservados e conduzidos por pessoas que são submetidas a estafantes jornadas de trabalho para tentar ganhar um pouco mais de grana no fim do mês.
Em tempos de declarações com as transcritas abaixo ,temos que fazer mais que chorar:
"Os funcionários são orientados a manter a ordem nas composições, mas vale lembrar que quem segura a porta é criminoso e 200 (passageiros) já foram para a cadeia. Eles forçam a abertura da porta, que acaba quebrada, causando risco de acidentes para eles mesmos e para os demais passageiros." José Carlos Leitão, diretor de marketing da SuperVia.
ou
"Quem puder deve evitar os horários de maior movimento ou usar outro tipo de transporte. E ter paciência. " Flávio Almada, superintendente da concessionária Barcas S/A
Sequei as lágrimas e fui lá no site da Prefeitura reclamar. Reclamei também em sites de programas sensacionalistas e pedi ajuda aos amigos (obrigada, tive um bom número de retornos). Não sei se vai adiantar, espero que sim.Vou cobrar.
Transcrevo email que enviei abaixo:
Eu odeio o 392

Amigos,
Fiz uma reclamação e uma sugestão na Ouvidoria da Prefeitura do RJ sobre o ônibus 392 que copio abaixo.
Por favor, abram uma reclamação também (se quiserem/tiverem preguiça copiem a minha), é rapidinho...esta linha de onibus está um horror.
Se você não tem acesso a internet, peça a um amigo para fazer a reclamação.
Só conseguiremos alguma melhoria unidos.

"Por favor fiscalizar a viação Campo Grande que assumiu linhas de onibus da viação Oriental (375,395), cujos funcionarios estavam em greve.Com isso diminuiu o numero de carros da linha 392.
"No dia 13/04 fiquei 01:20hrs esperando um ônibus passar pela manhã e ontem, 14/04,fiquei 02 horas esperando o carro passar na avenida Brasil. Em 2 horas que fiquei parada no ponto, podia estar estudando, trabalhando ao invés de estar parada esperando um onibus chegar! Por isso é tão dificil um morador da zona oeste conseguir algo: não consegue nem sair do lugar!!!"
ou
“Os carros da linha 392 demoram muito para passar!! Parece que os ônibus diminuiram depois que a aviação Campo Grande passou a colocar carros para a linha 395... Uso esta linha com regularidade e chego a esperar mais de 1h para ver um 392.E sempre está lotado!!! Está inviável usar o 392, linha que eu dependo tanto!! Por favor, acredito que este canal possa resolver este problema!!! (texto do Alex)

Secretaria Municipal de Transportes Urbanos
http://www.rio.rj.gov.br/smtr/

Programa Balanço Geral (Rede Record RJ /Wagner Montes)

RJ no AR (Rede Record RJ / Willian Travassos)



"Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros." (Che Guevara)


E como eu li por ai: " por enquanto só nos resta ir a merda à pé, porque de ônibus ta foda!"