A menos que você seja Charles Bukowski
Morro de inveja de gente capaz de viver avulsa. Não por alguns dias ou
por um algumas semanas, mas viver, simplesmente, pelo tempo que for
necessário.
Para essas pessoas – eu imagino - os namoros começam, acabam e, nos
intervalos, elas são felizes de outra maneira. Ou pelo menos tranquilas.
Usam o espaço entre romances para conjugar verbos alternativos: ficam,
transam, flertam, ciscam, inventam, aprontam, erram. Ou apenas desfrutam
delas mesmas e dos seus amigos. Parecem sossegadas, embora convivam com
a solidão e com a ansiedade de arrumar parceiros - para a noite, para o
fim de semana, para o réveillon que se aproxima. Diante da sugestão de
que deveriam ter um namorado ou namorada, desdenham: “Está tudo bem
assim”.
Como eu disse, tenho inveja, ainda que os céticos possam duvidar da
felicidade de quem não tem parceiro fixo. “Quem coleciona casos está
sempre sozinho”, dizem. “Parecem felizes, mas não são.” De onde vem
tanta convicção? Pois eu suspeito que haja uma multidão de pessoas
capazes de sobreviver por longos períodos numa dieta emocional que seja
rica em sexo e novidades, ainda que tenha pouco afeto. É uma questão de
temperamento, idade e formação. Talvez até de sexo. Muita gente parece
gostar de confusão e variedade tanto quanto gosta de romance – ou ainda
mais. E o número delas cresce.
Não é o meu caso, porém.
Como milhões de homens e mulheres, fico aflito na falta de uma relação
de referência. Não consigo relaxar e improvisar. A ideia de sair à toa e
arrumar alguém é mais assustadora que excitante. Ficar em casa tampouco
é opção. Pode ser tolerável por uns dias, mas rapidamente se converte
num inferno. Solidão apavora, como diz aquele samba lindo do Caetano. Há
os amigos, graças a deus, mas eles não suprem carências essenciais.
Pegar na mão, beijar na boca, dormir de conchinha e fazer planos (além
de sexo relaxado, sem aquela sensação boa/ruim de primeira vez) é coisa
que se faz com parceiro habitual ou fixo - que a gente, quando não tem
problema com as palavras, costuma chamar de namorada.
Saber do que eu gosto e do que eu preciso não quer dizer que eu ache
isso bacana 100% do tempo. Se pudesse escolher, provavelmente pegaria
para mim mesmo outro temperamento. Em vez de namorador compulsivo seria,
por exemplo, Desapegado 2.0. Sabe aquele cara que fica na dele
por um tempão, testando sem pressa, até cansar, enjoar ou pintar a
pessoa certa? Ou a garota que adora ficar sozinha na casa dela e sair
com as amigas, mas não tem dificuldade em arrumar parceiros quando
deseja? Então: tenho a impressão de que esse pessoal se diverte mais,
embora eu não tenha muita base para comentar. A grande maioria dos meus
amigos se parece comigo.
Eles ou elas se separam, declaram de boca cheia que vão ficar livres e
solteiros por um bom tempo, mas, dias ou semanas depois, já estão lá de
novo, publicamente enredados – com as mais variadas (e, admitamos...)
singelas explicações. “Achei a mulher da minha vida”, é comum. “Nunca
estive tão apaixonada”, também é frequente. Quem consegue discutir com
um argumento desses? Eu não, mas fico sempre com a impressão de que tem
aí uma espécie de dependência. Assim como há gente viciada em sexo, há
outros viciados em amor, ou em situações assemelhadas. Essas pessoas
precisam sentir-se apaixonadas para conseguir suportar o dia-a-dia.
Acabam forçando a barra. Quem se apaixona assim, de uma hora para outra,
e repetidamente? Sei não...
Entre os namoradores compulsivos e esses viciados em amor existe uma
sensação comum: a de que sozinho ou sozinha simplesmente não dá, por
inúmeras razões. Os fins de semana são muito longos, há feriados demais
no Brasil, as contas dos bares e restaurantes estão absurdamente caras,
viajar sozinho é melancólico, dar presente é uma delícia, receber é
ainda melhor, dormir a dois no inverno é essencial... Enfim, há inúmeras
razões práticas para explicar o apego das pessoas ao acasalamento, mas
nenhuma é tão forte quando a sensação, intraduzível, de que a vida
sozinho (ou sozinha) não faz sentido. Quem tem essa sensação acaba sendo
atraído para o outro, embora até gostasse, em teoria, de tentar viver
de outro jeito.
Dito isso, eu confesso que tenho alguma inveja dos aventureiros.
Eles são empreendedores do afeto: começam o dia sem nada assegurado,
trabalhando e apostando que vai dar certo. Às vezes ganham, muitas vezes
voltam para casa lambendo as próprias feridas. Há poesia nisso, embora
possa estar soterrada por uma camada de babaquice. Um aventureiro de
verdade não é um colecionador que precisa exibir conquistas ou um
carente que não conseguir ficar sozinho. Ele (ou ela) gosta de seduzir e
gosta de liberdade. Gosta de sexo e variedade. Encontra na diversidade o
que a maioria de nós acha apenas na singularidade de um indivíduo. Mas
quem é assim, ou quer viver assim, deveria saber que há um preço a
pagar. No fim da noite, se nada der certo, não pode virar um chato,
mendigando afeto e companhia a quem estiver do lado. É preciso ter
dignidade nessa hora. É preciso ter lido Charles Bukowski.
Por Ivan Martins, revista Época 21/09/11